LIVRO DE MANUEL O BRUXO
Folha 666
A CAÇA DO GAMBOZINO
Há nesta nossa terra estremenha uma antiga lenda que fala da existência dum animal noturno que é muito difícil de caçar: é o chamado “gambozino”.
Muitos dizem que na realidade não existe, mas o sábio e velho Bruxo Manuel pode afirmar que os gambozinos realmente existem, e que o sortudo que o consiga capturar terá muito proveito.
A primeira recomendação é clara: acreditar na existência deles. Depois a caça começa: espera que chegue uma noite sem lua, sem vento e sem nuvens, porque os gambozinos apenas gostam da luz das estrelas. Leva contigo um saco grande e uma corda para evitares que os gambozinos fujam do saco. Não leves lanterna nem luz nenhuma; os gambozinos fugiriam no mesmo instante. Olha para para às árvores e atrás das rochas, e quando se mostrarem, canta bem alto:
“Um, dois, três, quatro… gambozino para o saco”
Se tiveres a sorte de apanhar um gambozino a tua vida mudará para melhor, desde que não abras o saco para olhares no interior e conheceres o segredo dos gambuzinos.
O Bruxo Manuel
(Zafra, 22 novembro 1666)
LIVRO DAS CORNUCÓPIAS
Extractos do Livro das Cornucópias,
escrito no século XIV na Estremadura pela venerável e celebrizada Candela “A
Feiticeira”.
“A magia é uma ciência sublime que
ultrapassa o terrenal e que nos aproxima do Ser espiritual pelo qual foi criada
a Mãe Natureza nascida do encontro entre a Luz e a Escuridão. Só as almas puras
e inteligentes podem atingir os secretos conhecimentos que se têm constituído
em tradição oral desde os nossos antepasados e que eu, humilde servente do
Logos, tentarei escrever para que vivam por sempre.”
“Precisa-se de um trem composto por
talheres de madeira de carvalho, um bom almofariz de xisto verde, várias
panelas de barro e um caldeirão de cobre. O traje também é importante: túnica
vermelha para as mulheres e azul para os homens; capa preta e chapéu pontiagudo
em feltro preto con abas. Mas o mais necessário é a aptidão: é preciso ter a
graça da discrição e da magnanimidade para o aprendiz poder tornar-se em
experto e assim ser útil a todo aquele que necessite da sua ajuda.”
“Para apanhar azeitonas. Após ter
engolido a poção de inverno em frente da árvore, um café com cheirinho fervido
numa panela por dois minutos e meio, dar cinco voltas à oliveira enquanto se
repete a fórmula a seguir: Ó espíritos dos óleos, venham na nossa ajuda,
afastem o frio e a chuva, e aqueçam os nossos corpos!”
“Para se obter o melhor gaspacho.
Misturar no almofariz o pão, o azeite, o vinagre, o alho, o tomate e o sal.
Triturar com o pilão devagarinho por noventa minutos. A cada cinco minutos
beber um copo com sumo de uvas fermentadas e dizer a cada gole: Pilão amigo do
vinho do Baco, não sejas impaciente e eu dar-te-ei o teu trago, ao passo que
juntos fazemos o gaspacho.”
“Para se ter um bom dia. Antes da saída
do sol, pôr no caldeirão porções variáveis, tendo em conta a altura e o peso da
pessoa, de bolotas, miolo de pão com chouriço, vinho tinto, vinho branco e
aguardente. Remover com ternura por volta de duas horas, invocando aos druidas
Epicuro e Panorámix. No momento do pequenho almoço pedir para alguém que
experimente a beberagem. O mais provável é que nesse instante fique doente a
vítima. Com certeza que o resto vai passar um dia feliz por não ter adoecido.”
“Para uma boa sesta. Os melhores
resultados serão obtidos no caso de ter feito e consumido o gaspacho à maneira
explicada anteriormente neste mesmo grimório. Só basta pegar uma panela cheia
de grão-de-bico e contá-los. A magia fará o resto.”
LIVRO DA BRUXA LOIRA.
Feitiço para namorar a mulher dos teus sonhos.
Ao cair a noite de um gélido dia de inverno, vá às montanhas que fiquem mais perto da sua morada e no luar procure a penha mais alta para se sentar encima dela a meio da escuridão. Se por acaso estiver nevoeiro, pode-se ajudar da fraca luz de um candeeiro na procura da rocha desejada. Aguarde sentado lá até à meia-noite e não deixe o lugar mesmo que sinta a chamada da natureza por causa de ter comido ou bebido em excesso para combater as baixas temperaturas e a chatice da solidão noturna.
Após a meia-noite, espere até passar um lobo que tenha apenas uma pata preta e não só tente caçá-lo com uma atiradeira; além de o tentar, consiga-o. É muito importante que o animal seja um lobo com uma pata preta, não um simples cão selvagem. Isto é inegociável!
Quando finalmente você tiver conseguido o seu alvo com sucesso – às vezes podem transcorrer inúmeras horas, noites intermináveis ou ainda semanas inteiras -, vá imediatamente para casa da sua futura namorada e, se for possível, chegue lá por volta das quatro ou cinco horas da manhã. Comece a cantar uma estudantina dedicada para ela, bata à porta mesmo com todas as forças que conserve e mantenha-se à espera da aparição da imagem sensual da sua namorada a vestir um velho pijama às riscas coberto por um roupão aos quadrados castanhos e roxos enquanto exibe os rolos na cabeça e o seu comprido cabelo embrulhado numa rede.
Com certeza, a mulher dos seus sonhos ficará apaixonada por você, por esse olhar fixo e húmido, esse sorriso inalterável afixado no seu gelado rosto, essa tez fresca e tersa sem ruga nenhuma, esse corpo magro e encolhido,... Em resumo, a sua mulher ideal ficará cativada pela visão romântica de um corpo que só umas noitadas campestres vividas na solidão das montanhas com temperaturas abaixo de zero e a única companhia dos lindos uivos dos lobos da pata preta podem oferecer-lhe.
Se a mulher lhe permitir concluir a interpretação da serenata sem lhe atirar qualquer balde de água fria, peça-lhe para entrar na sua casa e tomar quer um copioso jantar demorado quer um pequeno-almoço com leite muito quente e torradas com manteiga. Se calhar este encontro furtivo será o começo de uma “amizade de longa data”.