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quinta-feira, 31 de outubro de 2013

UM JOGO

Da seccão O canto do livro propomos-lhe um simples jogo. Oferecemos-lhe o princípio de um conto do escritor francês Guy de Maupassant (Dieppe, 5 de maio de 1850 - París, 6 de julho de 1893) que se intitula “A morta” e pedimos-lhes que imaginem qual pode ser o seu final e, com certeza, contem-no. Todas as suas ideias são igualmente válidas, embora seja pelo feito que vocês as imaginassem. Força colegas! Ficamos a vossa espera!

A Morta

    Eu a amara perdidamente! Por que amamos? É realmente estranho ver no mundo apenas um ser, ter no espírito um único pensamento, no coração um único desejo e na boca um único nome: um nome que ascende ininterruptamente, que sobe das profundezas da alma como a água de uma fonte, que ascende aos lábios, e que dizemos, repetimos, murmuramos o tempo todo, por toda parte, como uma prece.
    Não vou contar a nossa história. O amor só tem uma história, sempre a mesma. Encontrei-a e amei-a. Eis tudo. E vivi durante um ano na sua ternura, nos seus braços, nas suas carícias, no seu olhar, nos seus vestidos, na sua voz, envolvido, preso, acorrentado a tudo que vinha dela, de maneira tão absoluta que nem sabia mais se era dia ou noite, se estava morto ou vivo, na velha Terra ou em outro lugar qualquer.
    E depois ela morreu. Como? Não sei, não sei mais.
    Voltou toda molhada, nutria noite de chuva, e, no dia seguinte, tossia. Tossiu durante cerca de uma semana e ficou de cama.
    O que aconteceu? Não sei mais.
     Médicos chegavam, receitavam, retiravam-se. Traziam remédios; uma mulher obrigava-a a tomá-los. Tinha as mãos quentes, a testa ardente e húmida, o olhar brilhante e triste. Falava-lhe, ela me respondia. O que dissemos um ao outro? Não sei mais. Esqueci tudo, tudo, tudo! Ela morreu, lembro-me muito bem do seu leve suspiro, tão fraco, o último. A enfermeira exclamou: "Ah! Compreendi, compreendi!"
    Não soube de mais nada. Nada. Vi um padre que falou assim: "Sua amante." Tive a impressão de que a insultava. Já que estava morta, ninguém mais tinha o direito de saber que fora minha amante. Expulsei-o. Veio outro que foi muito bondoso, muito terno. Chorei quando me falou dela.
    Consultaram-me sobre mil coisas relacionadas com o enterro. Não sei mais. Contudo, lembro-me muito bem do caixão, do ruído das marteladas quando a enterraram lá dentro. Ah! Meu Deus!
    Ela foi enterrada! Enterrada! Ela! Naquele buraco! Algumas pessoas tinham vindo, amigas. Caminhei durante muito tempo pelas ruas. Depois voltei para a casa. No dia seguinte, parti para uma viagem.

    Ontem, regressei a Paris.
    (...)Saí e, involuntariamente, sem saber, sem querer, dirigi-me ao cemitério. Encontrei seu túmulo, um túmulo singelo, uma cruz de mármore com algumas palavras: "Ela amou, foi amada, e morreu."
    Lá estava ela, embaixo, apodrecendo! Que horror! Eu soluçava, a fronte no chão.
    Fiquei lá por muito tempo, muito tempo. Depois, percebi que a noite se aproximava. Então, um desejo estranho, louco, um desejo de amante desesperado apoderou-se de mim. Resolvi passar a noite junto dela, a última noite, chorando no seu túmulo. Mas me veriam, me expulsariam. Que fazer? Fui esperto. Levantei-me e comecei a vagar pela cidade dos desaparecidos. Vagava, vagava. (…)
    Estava só, completamente só. Agachei-me perto de uma árvore verde. Escondi-me completamente entre os galhos grossos e escuros.
    E esperei, agarrado ao tronco como um náufrago aos destroços.
    Quando a noite ficou escura, bem escura, deixei o meu abrigo e comecei a caminhar de mansinho, com passos lentos e surdos, por essa terra repleta de mortos.
    Vaguei durante muito, muito tempo. Não a encontrava. Braços estendidos, olhos abertos, esbarrando nos túmulos com as mãos, com os pés, com os joelhos, com o peito, e até com a cabeça, eu vagava sem encontrá-la. Tocava, tateava como um cego que procura o caminho, apalpava pedras, cruzes, grades de ferro, coroas de vidro, coroas de flores murchas! Lia nomes com os dedos, passando-os sobre as letras. Que noite! Que noite! Não a encontrava!
    Não havia lua! Que noite! Sentia medo, um medo horrível, nesses caminhos estreitos entre duas filas de túmulos! Túmulos! Túmulos! Túmulos! Sempre túmulos! À direita, à esquerda, à frente, à minha volta, por toda parte, túmulos! Sentei-me num deles, pois não podia mais caminhar, de tal forma meus joelhos se dobravam. Ouvia meu coração bater! E também ouvia outra coisa! O quê? Um rumor confuso, indefinível! Viria esse ruído do meu cérebro desvairado, da noite impenetrável, ou da terra misteriosa, da terra semeada de cadáveres humanos? Olhei à minha volta!
    Quanto tempo fiquei ali? Não sei. Estava paralisado de terror, alucinado de pavor, prestes a gritar, prestes a morrer.
    E, de súbito, tive a impressão de que a laje de mármore onde estava sentado se movia.(...)
                                                                                               (31 de maio de 1887)

MAUPASSANT, Guy de. Contos Fantásticos. (Trad. José Thomas Brum). Porto Alegre: L&PM, 1997. Coleção L&PM Pocket, vol. 24.

terça-feira, 29 de outubro de 2013

LENDA DA BRASÍLIA


Há muitos anos, numa manha fria e ventosa, quando os lobos uivavam na serra e o céu se tingia de ameaças de tormenta, um casal procurava alcançar a casa onde viviam, nos arredores quase desertos de Vila Verde.

Quando a porta bateu atrás deles, deixando o vento lá fora, a mulher caiu extenuada sobre um banco de madeira e o homem olhou-a e mordeu os lábios, por remorso ou por piedade, só ele sabia.
Os olhos da mulher, ainda doridos, voltaram-se para o marido. 'Foi para isto que me trouxeste lá da minha terra distante?'
O homem encolheu os ombros, a sacudir as suas culpas. 'Que queres, mulher? Nem tudo pode sair à medida dos nossos desejos. Eu bem te disse, quando casámos: hei-de voltar a Portugal, à minha terra, e lá teremos o nosso lar.'
'Um casebre, um bocado de terra que não dá nada e este tempo horrível, pavoroso, um inferno!' A ironia já sabia a lágrimas.
'Depois da tempestade virá a bonança, acredita. Tem fé, quando tive a sorte de te encontrar lá no Brasil, não te prometi nada que não te tivesse dado.'
Ela ergueu-se como uma sombra. 'Achas que me tens dado tudo o que prometeste? Onde está a terra fértil? Onde a linda quinta no Minho? Onde a nossa fortuna?'
Calaram-se os dois, mas as palavras da mulher ficaram a doer na alma do marido no resto do dia, toda a noite e nos dias seguintes.
Por fim, resolveu-se. O homem foi procurar o velho prior da freguesia. 'Senhor prior, quero que seja o senhor o primeiro a saber: eu vou voltar ao Brasil'
'Que dizes, homem? Que ideia é essa?'
'Aproveito o próximo embarque, conheço aquilo como as minhas mãos, voltarei rico em pouco tempo. Rico, senhor prior!'
O velho padre compreendeu que de nada valia tentar dissuadi-lo. 'E com respeito à tua mulher?'
'Ela ficará aqui, senhor prior, à sua guarda.'
'À minha guarda?'
'Sim. O senhor prior a livrará de maus olhados e de más companhias. Que esta gente, quando a sentir sozinha, não a deixará sossegada. Posso confiar em si, senhor prior, não é verdade?'
'Podes, sim, meu filho.'
O homem levantou-se, de olhar iluminado. Era o princípio da sua vitória. E tal como dissera, seguiu de novo o caminho da aventura. A sua abalada deixou toda a gente das redondezas a falar no caso, pois não era habitual voltar à grande aventura pela segunda vez...
O tempo foi passando, correndo, fugindo. Não voltou a haver notícias do homem que tornara ao Brasil.
Mais cansada, mais triste, mais desiludida, a mulher perguntava-se amargamente 'Que posso eu fazer aqui, sozinha, se o meu marido me abandonou? Foi apenas tentar conquistar fortuna que me prometera, para quê? A fortuna estava aqui ao nosso alcance, ele tinha razão...'

O velho prior percebeu que a hora era decisiva, ou ela se salvava ou ela se perdia. 'Tens de tratar a terra, como se ele estivesse a teu lado. Tens de criar a quinta como ele sempre sonhou!'
A partir de então, a mulher atirou-se valentemente ao trabalho, das fraquezas fazendo forças. Naquele lugar quase deserto e abandonado, começou a surgir uma quinta maravilhosa.
Porém a mulher tudo fizera por uma inspiração febril. E quando a febre se esgotou diante da obra consumada, ela ficou mais gasta, mais triste e mais soturna do que sempre. Voltou ao encontro do velho prior. 'Senhor prior, creio que cumpri o meu dever, mas creio que não poderei durar muito mais tempo, talvez me falte o calor do amor...' Respirou fundo, a recobrar alentos. ' Quer saber uma coisa? Uma noite destas sonhei com o meu marido. Vi-o tal e qual como no dia em que ele abalou, mas já não estava na terra, estava no meio do mar...'
Olhou o prior, ele nada disse. Então a mulher elevou a voz 'Eu também me sinto morrer, só quero juntar de novo ao meu marido...'
'Decerto que sim, minha filha.'
'E esta quinta, senhor prior, este lugar? Para que servirá tudo isto depois de eu morrer?'
'Servirá para mostrar a tua história e o teu exemplo.'
Como ela própria supusera, não durou muito mais tempo. Dizem que morreu sorrindo. Nesse dia, a quinta parecia ainda mais bela.

quarta-feira, 23 de outubro de 2013

Notícias bizarras

Há historias do mundo que parecem incríveis de mais no caso de serem verdade.
Para não criar tópicos atrás tópicos, vou colocar aqui notícias que se mostram nos meios de comunicação social.

Para começar, leiam e ouçam esta notícia:

O que pensa dos produtos naturais?
Já provou alguns?
Ficou contente com eles?
Revoltou-se?…
Se já é um consumidor revoltado faça uma reclamação como a jovem rapariga com uma famosa marca de iogurtes.


Noticias bizarras

segunda-feira, 21 de outubro de 2013

CPLP



Segundo o dicionário, lusofonia é: “1. Conjunto político-cultural dos falantes de português. 2. Divulgação da língua portuguesa no mundo. 3. Condição de lusófono”.


O português é um idioma que provem do latim e foi espalhado pelo mundo durante a Era dos Descobrimentos, quando o reino de Portugal competia com o reino espanhol pela hegemonia comercial. A rota das Indias forneceu, aliás de relações econômicas e políticas, um caminho irreversível de intercâmbio cultural que tinha como nexo a língua do Grão Camões e de grandes navegantes como Bartolomeu Dias, Vasco de Gama ou Pedro Alvares Cabral.


Hoje o português é a quinta língua mais falada no mundo, com mais de duzentos milhões de falantes de diferentes nacionalidades. A maior parte deles pertencem aos países que dantes, e até os séculos XIX e XX, foram colônias portuguesas na América, na África e na Asia. Por causa de terem esta herança histórica e, sobretudo, um idioma comum, estas nações agruparam-se na Comunidade de Países de Língua Portuguesa ou CPLP. Atualmente os países membros da CPLP são: Portugal, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, São Tomé e Príncipe, Angola, Moçambique e Timor-Leste.

A CPLP tem na Internet um site muito interessante: www.cplp.org. Lá podemos ler notícias, informação sobre a organização e os seus projetos, referências culturais e até linguísticas (incluindo o Novo Acordo Ortográfico). Façamos uma breve viagem e conheçamos um bocado mais os países da CPLP com o vídeo a seguir.


quarta-feira, 16 de outubro de 2013

A aldeia mais portuguesa de Portugal



Desta forma é conhecida a aldeia raiana de Monsanto, foi eleita a mais portuguesa das aldeias nacionais. Mas depois de sete décadas, este lugar melancólico e acolhedor conserva as mais belas e carateríscas marcas do passado urbano.

A tradição dos habitantes deste lugar denominava esta zona como Mons Sanctus referido às santidades do lugar e em 1165, depois da derrota dos mouros por D. Afonso Henriques, foi doada à Ordem do Templo que lhe edificou o castelo. Há um dito que disse “Quem fosse capaz de conquistar Monsanto, seria capaz de conquistar o mundo”

Entre as encruzilhadas das suas ruas, casas que nascem por entre penedos junto à casas senhoriais, escondem-se muitos misterios e lendas. O visitante pode ver interessantes vistas sentado nas muralhas do castelo.

O quê visitar:
Castelo (Medieval sobre ruinas pré-Romanas, Romanas e Muçulmanas)
Cemitério (com as famosas sepulturas cavadas na rocha), séc. XII
Imponente fortaleza medieval, com vários recintos, portas e escadarias. No interior das muralhas destacam-se a Capela de Nossa Senhora do Castelo
Igreja de  S. Miguel, séc XII
Capela românica, com uma notável porta axial de arco de volta perfeita, com quatro arquivoltas, com capitéis decorados. Junto com uma torre sineira de dois arcos, e um conjunto de sepulturas antropomórficas
Torre do Lucano ou do Relógio, séc. XV
Torre sineira, encimada com a réplica do galo de prata
Torre do pião, séc. XII
Antigo posto medieval de vigia, de planta quadrangular

O quê comprar: São típicas umas bonecas de trapos relizadas a partir duma cruz de madeira, chaman-se Marafonas da Santa Cruz e simbolizam uma deusa da fertilidade. Não tem olhos nem boca nem nariz; colocam-se em cima da cama para trazer fertilidade e felicidade ao casal.







segunda-feira, 14 de outubro de 2013

Portugal, para comérselo!



Suponho que não é complexo conservar o sucesso mantendo sempre um ótimo e feliz resultado, particularmente quando não todo está sujeito ao esforço de si, de moto próprio, e entram em jogo criticadores, guias, clientes, e obviamente o dinheiro.
Quando reflectia à respeito do êxito, tinha no meu pensamento os grandes e afamados cozinheiros que enchem o firmamento de estrelas, e que com a sua genialidade são capazes de levar muitos ao êxtase gastronómico mais absoluto, tão na moda nos últimos tempos.
Mas, poderia acontecer que entre tantos “corpos celestes”, estejamos esquecendo os mais reluzentes astros, estejamos deixando no lado, àquelas mulheres que com economia limitada, com os costumes recebidos por herança, e acima de todas as coisas, com muito amor, fizeram possível que diariamente, tenhamos ao nosso alcance a arte mais efémero que pode existir, a melhor comida feita pelas nossas bisavós, avós, tias y mães.
Não há muito tempo, chegou às minhas mãos um livro daqueles que antigamente se escreviam sobre “fogões”, com medidas e expressões impossíveis de traduzir para a linguagem atual, e que se herdavam de mães a filhas. Neste livro de fogões, de forno, lareiras e também de esmerada caligrafia, reflecte-se o incalculável amor pela comida e os costumes, assim como a necessidade de perpetuar o sucesso culinário, nesta altura da minha família, e decerto extensível às casas de todos aqueles que lerem este artigo.
Para grande surpresa minha, no “Meu Libro de Fogões”, como eu chamo-lhe, mostram-se também receitas com a palavra Portugal, e que fazem referência àquelas comidas originárias do país vizinho e tão queridas pelos paladares dos meus parentes. A existência deste receituário e o meu amor a Portugal, foram as duas razões pelas quais decidi que a minha secção neste blogue, seria a aproximação ao arte de preparar e comer uma boa refeição portuguesa.
Tentarei que, Portugal, para comérselo!, seja uma secção gastronómica diferente, alguma coisa mais do que um receituário normal de comidas dos muitos que há na rede.
Quero desde a minha humilde posição, aproveitando o chamado turismo gastronómico e a minha vizinhança, aproximar-vos a esses pequenos restaurantes governados desde as suas cozinhas pelas mais antigas tradições portuguesas. Quero pôr nas mesas dos leitores, os vinhos mais delicados, equilibrados e potentes, assim como os doces mais doces da culinária vizinha. Quero conseguir que chegue a todos por meio das fórmulas dos meus antepassados, o cheiro e o sabor que há na minha casa quando a minha mãe cozinha bacalhau, ou cordeiro, ou faz esses pequenos pasteis, certamente incompatíveis com a balança.
Tentarei que este espaço seja também uma homenagem a todas as mulheres que sem ficar na "abóbada celeste” da gastronomia, têm nas suas mãos uma “estrela” e o dote natural de ter sempre grande êxito por cozinhar com amor para todos os seus.

quinta-feira, 10 de outubro de 2013

"Gaivota"


MÚSICA

Nesta secção tencionamos incluir diferentes tipos de músicas próprias de Portugal, do Brasil e doutros países que partilham o português como língua oficial. O visitante não só será testemunha ativa das lembranças evocadoras de um tempo passado que já não vai voltar, mas também conhecedor dos grupos e das tendências musicais atuais.
    Hoje, o dia no que damos começo a esta divisão deste blogue, gostávamos de vos apresentar uma linda canção baseada num poema do poeta português Alexandre O´Neill, um poema que se tornou fado nos lábios da magistral fadista Amália Rodrigues e que adotou um som pop na interpretaçao do grupo português Amália Hoje.
    Que é o fado senão poesia musicada, sentido e sentimento, calor e vento, uma lágrima nascida nas profundas fontes do coração, uma caricia que calma a dor que mora nos olhos da alma?
    Que é o fado senão a expressão mais intensa de muitas das nossas vivências quotidianas acolhidas pelo som de uma viola portuguesa,, uma guitarra clássica e a desgarradora voz de uma fadista como Amália Rodrigues?







    Oferecemos-vos a possibilidade de escutar este fado na cadência da voz melodiosa  de Amália Rodrigues  e ainda de verem duas versões desta mesma canção interpretada num vídeo por esta própria fadista e no outro vídeo pelo grupo Amália Hoje, dois estilos de sentir um lindo poema. Esperemos que gostem de tudo e o saboreiem com imenso prazer.


                                       Gaivota

Se uma gaivota viesse                    Meu amor na tua Mao
Trazer-me o céu de Lisboa             Nessa mão onde cabia
No desenho que fizesse                  Perfeito o meu coração
Nesse céu onde o olhar                  Se ao disser adeus à vida
É uma assa que não voa                 As aves todas do céu
Esmorece e cai no mar                   Me dessem na despedida
Que perfeito coração                      O teu olhar derradeiro
No meu peito bateria                      Esse olhar que era só teu
Meu amor na tua mão                    Amor que foste o primeiro
Nessa mão onde cabia                   Que perfeito coração
Perfeito o meu coração                  Morreria no meu peito
Se um português marinheiro            Meu amor na tua mão
Dos sete mares andarilho                Nessa mão onde perfeito
Fosse quem sabe o primeiro            Bateu o meu coração
A contar-me o que inventasse         Meu amor
Se um olhar de novo brilho              Na tua mão
Ao meu olhar se enlaçasse             Nessa mão onde perfeito
Que perfeito coração                     Bateu o meu coração
No meu peito bateria                     (Alexandre O´Neill)


http://www.youtube.com/watch?v=bhagDjqN_ww

http://www.youtube.com/watch?v=BgQeJ6BqRLI







terça-feira, 8 de outubro de 2013

Na literatura, como na mesma vida, é preciso arriscar-se, abrir-se, entregar-se.
Assim pois, atenção leitor, começar a ler este livro é um risco, porque você pode destapar a sua mais secreta paixão. Sente-se à sombra do nosso sobreiro para iniciar esta viajem da mão dos livros, deixe-se adormecer pelo o agradável roído do vento ao passar entre as folhas desta árvore.
Inclusive se cometeu qualquer crime, ou têm um segredo inconfessável, não terá mais remédio que revelar-se com as palavras que nós lhe oferecemos"


  "Cumpridos dez anos de prisão por um crime que não pratiquei e do qual, entanto, nunca me defendi: morto para a vida e para os sonhos; nada podendo já esperar e coisa alguma desejando-  eu venho fazer enfim a minha confissão: isto é: demonstrar a minha inocência.
  Talvez não me acreditem. Decerto que não me acreditam. Mas pouco importa. O meu interesse hoje em gritar que não assassinei Ricardo de Loureiro, é nulo. Não tenho família; não preciso que me reabilitem. Mesmo, quem esteve dez anos preso, nunca se reabilita. A verdade simples, é esta.
  E àqueles que, lendo o que fica exposto, me perguntarem: "Mas porque não fez a sua confissão quando era tempo? porque não demostrou a sua inocência ao tribunal?"-a esses responderei:- A minha defesa era impossível. Ninguém me acreditaria. E fora inútil fazer-me passar por um embusteiro ou por um doido...Demais, devo confessar, após os acontecimentos em que me vira envolvido nessa época, ficara tão despedaçado que a prisão se me afigurava uma coisa sorridente. Era o esquecimento, a tranquilidade, o sono".


"A confissão de Lúcio"
Mário de Sá-Carneiro
Ed. Assírio & Alvim

quarta-feira, 2 de outubro de 2013

Lenda de Estremoz

Lenda de Estremoz


O calor apertava. A sede torturava-os. O pó punha-lhes a boca gretada e a língua áspera. A mãe, o pai e a filha precisavam descansar.
De súbito apareceu uma sombra larga, acolhedora, como um oásis no deserto. Um tremoceiro. A criança olhou os pais. ‘E se ficássemos aqui?’. Na sua imaginação aquela sombra era o paraíso…

Na manha seguinte, surgiu uma visita inesperada, um velho forte e autoritário. ‘Sou o dono de tudo isto... Do tremoceiro, que plantei por minhas mãos... Fora daqui! Não vos quero ver mais nos meus domínios!’
Altivo, o homem que viera de longe retorquiu ‘Pois já que nos ameaçais...dir-vos-ei que só á força sairemos...’
Pouco tempo depois, o velho voltou com muitos homens armados. A família preparou-se para defender a sua morada. ‘Porque somos tao perseguidos? Não fizemos mal algum e todos nos odeiam!
Entretanto, indiferente ao perigo, a criança tinha atravessado por entre os homens e avançara ao encontro do chefe. ‘Sabei, senhor... que estive a pensar numa coisa! Em volta duma árvore tao bonita como aquele tremoceiro podia construir-se uma povoação também bonita e grande... capaz de causar inveja ás outras povoações... Sabei que o meu pai é um grande constructor e a minha mãe ajuda-o em tudo... Se o senhor quisesse, eles poderiam construir aqui uma cidade, dirigindo o trabalho dos seus homens…
O velho olhava-a espantado.‘Ora esta! Uma cataria como tu... com uma ideia tao grande!’ Ela sorriu,
ingenua. O olhar do velho ficou a perder-se no vasto horizonte.
O velho chefe procurou o marido e a mulher. ‘Venho em missão de paz e amizade! Sei que sois um grande
constructor...’
O homem interrompeu-o, perplexo.’O quê? Fui, sou e serei unicamente um fidalgo.’
‘Mas, a vossa filha disse-me..’
Houve um leve sorriso nas expressões
do casal. ‘A nossa filha tem uma imaginação prodigiosa e vós… acreditastes...’
‘Mal posso acreditar...’ Mas a voz do velho tinha um tom bonacheirão.
A pequena ladina segurou carinhosamente nas mãos do velho e falou devagar. ‘Eu não vos enganei. Reparai
no que vos disse: com o auxílio de todos, poderemos construir uma grande povoação á volta do tremoceiro...’
O velho voltou a sorrir.
Dentro em breve, o sonho da rapariga começou a transformar-se em realidade.
Um tempo depois, o velho voltou com a boa nova que o rei D. Afonso III acedeu a dar foral a aquela terra. ‘Temos de dar um nome a nossa terra’ Todos se voltaram para a rapariguita.
‘Bem... parece-me que o melhor é por-lhe um nome que lembre aquela árvore a que devemos tao boa
sombra... se deve chamar Estremoços!’




Marques, Gentil. (1962)

Lendas de Portugal. Lendas dos nomes das terras. Âncora editora.